quinta-feira, 31 de janeiro de 2013

ANTROPOFASIA

PENSO, LOGO EXISTO ?


Napoleão:


Monsieur Laplace, por que o Criador não foi mencionado em seu livro Mecânica Celeste?
Laplace:
Sua Excelência, eu não preciso dessa hipótese!

        Chegamos a um ponto da nossa civilização industrial tecnicista, que aceitamos facilmente, sem questionar, o estudo dos embriões, o Projeto Genoma, pela Biotecnologia. Qual é o objetivo dele? Justamente eliminar um embrião anormal que possa desenvolver um adulto doente. Essa idéia não produz em nós o horror que produziria ao eliminar uma criança ou um adulto, como os espartanos faziam. Pode-se, assim, erradicar inúmeras doenças genéticas, como o mongolismo, simplesmente exterminando, abortando os embriões antes de nascerem. A própria clonagem de embriões se tornaria legítima nesse sentido, pois poder-se-ia conseguir a tão decantada "raça pura", sem nos sentirmos culpados. Isso sem falar na extração de tecidos ou órgãos "virgens" em embriões recém-formados, para "auto-transplantes".
        Assim o ego prepotente bateu de frente com os códigos morais, que existem no sentido de frear a ganância e a prepotência humanas. E o mais grotesco que se vê hoje é que a autoridade, o "amo", não se contenta em ordenar o viver social e o atuar econômico: o "amo" quer normatizar o interior humano (o pensar, a essência, a ética). Para isso criam-se "códigos de ética" em todas as atuações humanas. Mas como a ética se substancia no individuum (o interior, o espiritual), não é possível enquadrá-la dentro de normas. "Assim como existem muitos "seres", também existem muitas formas de "bens" particulares. A cada "ser" corresponde uma espécie de "bem", próprio e determinado, que se identifica com sua possível perfeição" (Tomás de Aquino). Nesse sentido, a ética leva o homem a almejar atingir a plena realização de sua essência; ou seja, é um caminho interior, individual. Já a moral tem a ver com as realizações: tanto na vida social como na vida econômica, ou seja, corresponde a um caminho exterior. Por isso diz-se que "os homens são bem ou mal aventurados, dependendo das suas atuações no mundo" (Aristóteles). Não adianta ter boas intenções (ética), pois dessa qualidade o inferno está cheio. Além de "ser" (ética), é preciso "fazer" (moral). Ou seja, é preciso o desenvolvimento do individualismo ético para que nos tornemos moralmente produtivos. Nesse sentido, é mais um absurdo e prepotência traçarem códigos para a ética. Uma intenção (ética) só pode ser julgada, após ter sido executada (aí se transforma em moral). Por isso é que se tem medo de inovar, medo de criar, medo de pensar coisas novas, pois tudo deve estar dentro da "cartilha", do livro, "do código de como se deve pensar", das imposições do "amo". (Resumindo: Os códigos têm que ser morais).
        Chegamos ao fundo do poço da evolução materialista. Ao mesmo tempo que se soergueu o ego acima da divindade, ele ficou preso às quatro paredes do sensório, até ser enquadrado em "códigos". Tornamo-nos ateus, mas embevecidos da criação. Essa postura esquizofrênica do homem moderno tem patrocinado os piores males: depressões, neuroses, síndromes do pânico, doenças iatrogênicas, doenças malignas, seqüestros, guerras, etc. Perdemos a humanidade que tínhamos dentro de nós, porque nos falta a visão do conjunto, do todo. Ou seja, fracionamos o mundo em áreas de influência mercantilista, dividimos as profissões em especialidades e "anatomizamos" o ser humano em partes. Realmente é mais fácil exercer o poder quando se pulverizam os grupos humanos e se retiram destes a possibilidade de conhecer a si próprios.
        Do homo sapiens, nos aprofundamos na matéria e fizemos surgir o homo artificialis. Será que conseguiremos descobrir o homo espiritus nesse emaranhado? Aqueles que ficam fascinados pela materialidade, coitados, se fixam no vazio, pois, como se sabe, impera o vazio dentro do átomo. Ao se comprimir a matéria, não sobra quase nada. O elétron como o núcleo, não possuem massa, apenas "movimento", na linguagem dual da onda-partícula da "mecânica ondulatória". Assim a tese de doutorado de Louis de Broglie, em 1924, deu sentido novo à valsa quântica. Do que era fixo e determinado na hipótese de Laplace, passou-se a conviver hoje com os "Princípios de Incerteza" e os "Testes de Probabilidade". Reerguem-se as velhas doutrinas: pitagórico da Música das Esferas, keppleriano do Universo através dos cinco corpos platônicos, aristotélico do Universo finito e do movimento eterno. Estas ressurgem mais do que modernas. Até Copérnico buscou os conhecimentos pitagóricos e platônicos, para refutar o "equante" e ressuscitar a doutrina do "fogo central" (modelo heliocêntrico de Aristarco dezoito séculos antes de Copérnico). O mesmo pode-se dizer do grande Kepler, que "descrevia" o modelo de Copérnico, ou seja, previa as distâncias entre os planetas com uma acurácia de aproximadamente cinco por cento, a partir de uma metodologia científica genuinamente dedutiva. Deduziu ele que somente através dos cinco "corpos platônicos", por serem os únicos sólidos regulares que podem ser construídos em três dimensões, poder-se-ia demonstrar o modelo geométrico do Universo. E assim o fez. Inclusive a Astrofísica moderna fala que a nossa Terra é composta das mesmas substâncias que compõem o Universo e que este é o único planeta habitável dentro desse "mundão de Deus". Isso é devido à nossa privilegiada situação de estar a uma distância certa do astro-rei, o sol. Nenhum outro planeta preenche esse pré-requisito vital. Essa afirmação vem ao encontro da Física aristotélica: A Terra é o único planeta habitável e o centro do Universo. A periferia cósmica, com suas galáxias monumentais, nebulosas fantásticas, buracos negros abissais, é a morada dos deuses, das hierarquias espirituais.
         O próprio Descartes, apesar de considerar a famosa sentença "cogito ergo sum" como o primeiro princípio da filosofia, faz uma retratação magistral em seu discurso: "E notando eu que, em penso, logo existo, não há nada que me garanta que eu esteja dizendo a verdade, do mesmo passo que vejo com clareza que, para pensar, é preciso existir".
(René Descartes, Discurso sobre o Método, São Paulo : Hemus, 1978, p. 68).
        Não resta dúvida de que, como se está vendo, Descartes é dúbio nas suas afirmações. Ao mesmo tempo que se mostra prepotente (penso, logo existo), revela o seu lado religioso-platônico (para poder pensar é preciso que eu tenha sido criado). Só que a primeira afirmação indutiva fixou-se nas mentes das pessoas, como uma prepotência avassaladora e trouxe reflexos na nossa vida moderna.
        Aí se vêem as duas faces da mesma moeda: o materialismo e a religiosidade. Parece uma incongruência, darem-se as mãos. De onde vem essa origem comum? Para o homem do passado a busca apolínica da essentia era imprescindível: "Conheça-te a ti mesmo". Esse caminho não existe mais, perdeu-se na poeira do tempo. Caso enveredássemos nesse trilhar, cairíamos numa postura puramente mística ou religiosa, na qual se descortina o lado interior do ser humano. E, por incrível que pareça, essa visão interiorizada, religiosa é que deu condições para desenvolver-se o "penso, logo existo", o lado exteriorizado, materialista, da busca do homem para encontrar-se a si mesmo.
        Parece que estamos num beco sem saída. Se caminhamos para o exterior, defrontamos com o tecnicismo científico dogmático. Caso retrocedêssemos para o interior, refugiar-nos-íamos no acalanto da religiosidade irrealista. Onde está o caminho certo? Em Goethe, dentro de sua monumental obra literária e científica, pode-se descortinar uma porta para entender o caminho do homem moderno. Eis o que diz ele: "Confesso que a grande meta que parece tão importante, expressa na máxima "Conheça-te a ti mesmo", tem-me suscitado sempre suspeitas, como se fosse uma astúcia de sacerdotes secretamente confabulados que quiseram confundir o homem com exigências inalcançáveis e desviá-lo da atividade do mundo externo para uma falsa contemplação interior. O homem conhece-se a si mesmo na medida em que conhece o mundo" (Goethe). Assim o homem é projetado para o fenômeno exterior, para o mundo sensorial, para a experiência. Ou seja, a essentia é que se projeta no fenômeno, na natureza, no mundo físico. "O homem conhece-se a si mesmo na medida em que atua no mundo". Isso denomina-se: "Moralidade". Para isso é preciso entender o ser humano como "verbo encarnado". O espiritual é que permeia a materialidade. Nesse sentido a sentença que Descartes corrigiu: "para pensar, é preciso existir" está correta, mas incompleta. O certo é afirmar que "o pensar permeia o existir".


Nenhum comentário:

Postar um comentário