PENSO, LOGO EXISTO ?
Napoleão:
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Monsieur
Laplace, por que o Criador não foi mencionado em seu livro Mecânica
Celeste?
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Laplace:
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Sua
Excelência, eu não preciso dessa hipótese!
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O próprio Descartes, apesar de considerar a famosa sentença
"cogito ergo sum" como o primeiro princípio
da filosofia, faz uma retratação magistral em seu discurso:
"E notando eu que, em penso, logo existo,
não há nada que me garanta que eu esteja dizendo a verdade,
do mesmo passo que vejo com clareza que, para pensar,
é preciso existir".
(René
Descartes, Discurso sobre o Método, São Paulo
: Hemus, 1978, p. 68).
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Não resta dúvida de que, como se está vendo, Descartes é dúbio nas suas
afirmações. Ao mesmo tempo que se mostra prepotente (penso, logo
existo), revela o seu lado religioso-platônico (para poder pensar
é preciso que eu tenha sido criado). Só que a primeira afirmação
indutiva fixou-se nas mentes das pessoas, como uma prepotência avassaladora
e trouxe reflexos na nossa vida moderna.
Aí se vêem as duas faces da mesma moeda: o materialismo e a religiosidade.
Parece uma incongruência, darem-se as mãos. De onde vem essa origem
comum? Para o homem do passado a busca apolínica da essentia
era imprescindível: "Conheça-te a ti mesmo". Esse caminho
não existe mais, perdeu-se na poeira do tempo. Caso enveredássemos nesse
trilhar, cairíamos numa postura puramente mística ou religiosa, na qual
se descortina o lado interior do ser humano. E, por incrível que pareça,
essa visão interiorizada, religiosa é que deu condições para desenvolver-se
o "penso, logo existo", o lado exteriorizado, materialista,
da busca do homem para encontrar-se a si mesmo.
Parece que estamos num beco sem saída. Se caminhamos para o exterior,
defrontamos com o tecnicismo científico dogmático. Caso retrocedêssemos
para o interior, refugiar-nos-íamos no acalanto da religiosidade irrealista.
Onde está o caminho certo? Em Goethe, dentro de sua monumental obra
literária e científica, pode-se descortinar uma porta para entender
o caminho do homem moderno. Eis o que diz ele: "Confesso que
a grande meta que parece tão importante, expressa na máxima "Conheça-te
a ti mesmo", tem-me suscitado sempre suspeitas, como se fosse
uma astúcia de sacerdotes secretamente confabulados que quiseram confundir
o homem com exigências inalcançáveis e desviá-lo da atividade do mundo
externo para uma falsa contemplação interior. O homem conhece-se a si
mesmo na medida em que conhece o mundo" (Goethe). Assim
o homem é projetado para o fenômeno exterior, para o mundo sensorial,
para a experiência. Ou seja, a essentia é que se projeta no fenômeno,
na natureza, no mundo físico. "O homem conhece-se a si mesmo
na medida em que atua no mundo". Isso denomina-se: "Moralidade".
Para isso é preciso entender o ser humano como "verbo encarnado".
O espiritual é que permeia a materialidade. Nesse sentido a sentença
que Descartes corrigiu: "para pensar, é preciso existir"
está correta, mas incompleta. O certo é afirmar que "o pensar
permeia o existir".