Fwd: FW: O enigma das bactérias
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Assunto: FW: O enigma das bactérias
Assunto: FW: O enigma das bactérias
http://outraspalavras.net/ destaques/terra-inimiga-da- saude/
Terra, inimiga da Saúde?
Pesquisas de ponta
revelam: ao contrário do que pensávamos, bactérias e
outros micro-organismos presentes no solo são parte de
nosso sistema imunológico. Agroecologia pode
preservá-los
Por Daphne
Miller |
Tradução: Gabriela
Leite
Nos últimos tempos, gosto de
pensamentos sujos. Passo meus dias em numa sala
esterilizada praticando medicina familiar, mas ainda assim
minha mente está na terra. Isso porque estou descobrindo o
quanto este meio rico e obscuro influencia na saúde de
meus pacientes. Estou até começando a me perguntar sobre o
quanto Hipócrates estava errado, ou pelo menos equivocado,
quando proclamou: “Deixe o alimento ser tua medicina.” Não
me entenda mal – a comida é muito importante para nossa
saúde. Mas talvez seja o solo em que os alimentos crescem,
ao invés deles próprios, o que nos oferece os verdadeiros
remédios.
Há pouco, na literatura médica
convencional, para apoiar estas afirmações. Procure os
termos “solo” e “saúde” no banco de dados da PubMed e os
resultados principais apresentarão o solo como uma
substância de risco, cheia de leveduras patogênicas,
bactérias resistentes a antibióticos, radônio, metais
pesados e pesticidas. Mas passe reto por estes relatórios
cruéis e irá descobrir uma pequena, mas crescente, coleção
de pesquisas que pintam o solo com uma cor muito
diferente. Estes estudos sugerem que a terra, ou pelo
menos alguns tipos dela, pode ser benéfica à nossa saúde.
Os cientistas que estão
investigando essa relação entre a saúde e a terra
pertencem a um grupo muito variado — botânicos, agrônomos,
ecologistas, geneticistas, imunologistas, microbiologistas
– e coletivamente estão oferecendo razões para dar atenção
aos lugares onde nossa comida é plantada.
Solo vívido, comida boa
Por exemplo, utilizando a
tecnologia do sequenciamento do DNA, agrônomos da
Universidade do Estado de Washington descobriram
recentemente que um solo com ampla abundância de
diversidade de seres (especialmente bactérias, fungos e
nematóides) tem probabilidades maiores de produzir
alimentos densos de nutrientes. É claro que isso faz
sentido quando se compreende que a cooperação entre
bactérias, fungos e as raízes das plantas (coletivamente
referidas como a rizosfera) é responsável por transferir
carbono e nutrientes do solo para a planta — e, ao final,
para nossos pratos.
Dado este fluxo de nutrientes
dos micróbios do solo para nós, como podemos impulsionar e
diversificar a vida no solo? Uma série de estudos mostra
consistentemente que a agricultura ecológica produz
biomassa microbial e diversidade muito maiores que os
cultivos convencionais. A agroecologia compreende muitos
sistemas (biodinâmica, regenerativa, permacultura, ciclo
completo etc) que compartilham princípios fundamentais
holísticos: proteger o solo superficial com coberturas e
aração mínima, rotação de culturas, conservação da água,
limitação do uso de químicos (sintéticos ou naturais), e
reciclagem de todo o lixo orgânico e animal de volta para
a terra. Muito desta pesquisa apoia o que os agricultores
tradicionais pelo mundo sabem há muito tempo ser verdade:
quanto mais ecologicamente plantamos, mais nutrientes
colhemos.
Micróbios
de combate à alergia
Enquanto os cientistas da
terra ocupam-se documentando estas ligações entre o solo e
a comida, imunologistas e alergistas na Europa estão
trabalhando para descobrir outra conexão intrigante entre
a terra e a saúde: o chamado “efeito fazenda”. Por que as
crianças que crescem em propriedades que adotam a
agroecologia, na Europa Central, têm muito menos
incidência de alergia e asma que as que crescem em
fazendas industrializadas? Novamente, quase tudo aponta
para os micróbios — no estrume, no leite não pasteurizado,
na poeira do estábulo, na comida que não é lavada e, sim,
no solo. No estudo, pesquisadores estudaram colchões de
crianças de fazenda e encontraram uma grande variedade de
bactérias – a maioria das quais é tipicamente encontrada
no solo.
Como os micróbios do solo e de
fazendas protegem contra doenças alérgicas é ainda questão
em debate, mas as pesquisas estão apontando cada vez mais
para a nova ideia que, por falta de um termo melhor, vou
chamar de “hipótese da mudança do microbioma”.
A explicação padrão para o
“efeito fazenda” é a hipótese da higiene, que afirma que a
exposição a uma variedade de micróbios no começo da vida
(incluindo no útero) amortece a resposta alérgica de nosso
sistema imunológico adaptativo.
O problema com esta teoria é
que nosso sistema imunológico é surpreendentemente
simplista e parece reagir similarmente tanto ao se
encontrar com um conjunto diverso de micróbios em uma
fazenda ecológica quanto com com uma porção relativamente
homogênea de micróbios tipicamente encontrada em um
apartamento ou numa fazenda convencional. Mas, e se nossas
células imunológicas forem simplesmente uma proteção de
retaguarda, para uma primeira linha de defesa mais
sofisticada — nossos micróbios residentes?
E se um microbioma de solo
saudável e diverso puder nutrir um bioma humano mais
diverso e protetor? De fato, novas pesquisas sugerem que é
o caso, e que uma troca microbial solo-intestino pode
oferecer o real “efeito fazenda”.
Troca de genes no nível do
intestino
É claro que isso é tudo muito
novo — e para mim, como médica, um pouco desorientador. Na
escola de medicina, aprendi que nossas bactérias internas
pertencem a um clube restrito e que elas não têm nada a
ver com micróbios em nosso ambiente externo. Patógenos
como a salmonela e a e.coli devem
ultrapassar esta barreira, como acontece quando sofremos
intoxicação alimentar ou outras infecções, mas sua
influência foi considerada transitória – embora
ocasionalmente devastadora. Mas agora que podemos
sequenciar o DNA de um microbioma inteiro, usando uma
técnica chamada metagenômica, estamos começando a conectar
os pontos e descobrindo que podem ocorrer trocas genéticas
entre nosso microbioma e o mundo exterior –
particularmente em lugares onde cresce nossa comida.
Entre os primeiros a
documentar esta transferência de genes está um grupo de
microbiologistas franceses. Eles identificaram a mesma
sequência exata de DNA em duas espécies de bactérias Bacteroidete diferen tes –
uma vivendo em uma alga marinha e outra, nos intestinos de
japoneses. Concluíram que a bactéria marinha pegou carona
até o intestino humano via sushi e outros pratos com algas
nori e passou seu DNA para os micróbios residentes do
humano hospedeiro. O resultado final desta troca é que
muitos japoneses – e possivelmente pessoas de outras
culturas comedoras de algas – adquiriram maior habilidade
que para extrair nutrientes valiosos de suas nori.
Justin Sonnenburg, um
microbiólogo em Standford que estuda como o ambiente
influencia em nosso microbioma, contou-me que as
descobertas deste estudo de algas nori são, provavelmente,
apenas a ponta do iceberg. Ele acredita que vamos
continuar a descobrir novas formas de interação entre o
solo, os oceanos e nosso microbioma – e seu enorme papel
em nossa saúde.
Impressionado pela crescente
evidência de que nossa saúde depende de nosso solo
saudável, converti meus “pensamentos sujos” em ação.
Agora, digo a meus pacientes que a comida que cresce em um
solo bem tratado deve oferecer distintas vantagens,
relacionadas a obter melhores nutrientes e construir um
sistema imunológico saudável.
É claro que identificar essa
comida pode ser complicado, já que a certificação de
produtos orgânicos, apesar de ser certamente útil, nem
sempre nos leva aos produtores mais saudáveis. Muitas
propriedades certificadas como orgânicas são realmente
ecológicas, mas algumas propriedades que produzem em larga
escala, com este certificado, ainda aram profundamente e
usam agrotóxicos aprovados – duas práticas que danificam o
solo e seus micróbios. Ao mesmo tempo, há agricultores que
não podem pagar por um certificado orgânico, embora
estejam implementando as práticas da agroecologia, que
produzem comprovadamente um solo rico e uma população
microbial próspera. Como não existe nenhum selo de “solo
saudável” ou “micróbios saudáveis” que possam nos levar a
estas fazendas minha sugestão é perguntar uma questão
simples:
“O agricultor vive em sua
fazenda?”
Agricultores que vivem em sua
terra e alimentam sua família com ela tendem a se importar
com seu solo como se fosse mais um membro da família. Ir a
feiras de produtores é um meio confiável de obter este
tipo de produção, e alguns supermercados [nos EUA] também
estão começando a apoiar os agricultores locais.
Lembre-se: quando mais procurarmos estes produtos, mais
eles irão fazê-lo.
Claro: outra opção é
plantarmos nossa própria comida. Comer alimentos frescos
de um solo saudável não é uma opção “tudo ou nada”. Usar
todos os dias um punhado de ervas, de um canteiro de
apartamento, pode ter um impacto positivo em nossa saúde.
Sobre a comida plantada em casa, ou produzida localmente,
sempre proponho a meus pacientes pensar duas vezes, antes
de descascar. Afinal de contas, quem sabe que bactérias
benéficas podem ser eliminadas? Por sinal, comer vegetais
frescos fermentados é uma ótima maneira de adquirir uma
mega-dose de bactérias do solo.
Eu também falo aos pacientes
sobre algumas outras vantagens (não comestíveis) de se
conectarem com agriculturas saudáveis. Por exemplo, apesar
de os dados não serem conclusivos, é provável que passar
um tempo em uma plantação local possa oferecer uma
prevenção relativamente segura e de baixa tecnologia para
as famílias com predisposição à alergia. “Tempo na terra”
parece especialmente atrativo por prevenir a necessidade
de antialérgicos ou doses de antiistaminicos. Pesquisas
recentes dizem que o tempo que uma pessoa passa
trabalhando na terra é um meio de construir relações de
comunidade, melhorar a força e a condição física, diminuir
a probabilidade de demência em idosos e melhorar o
desempenho escolar dos adolescentes. Seria simplista
enxergar a presença em fazendas saudáveis como panaceia
para tudo que nos aflige, mas é uma parte importante de
minha caixa de ferramentas médica.
Cuidando de nossa sujeira
Passei a ver meus pacientes
como uma parte integrante de um ciclo de agroecologia,
onde o fluxo de saúde é bidirecional. Nossas escolhas
influenciam diretamente na saúde da agricultura – que, em
retorno, produz impactos em nossa saúde. A compostagem é
uma maneira de alimentar a agricultura local e, em
consequência, nos fortificar. Encorajo os pacientes a
proteger seu solo como protegem seus corpos. Embora muitos
de nós estejamos cientes de que as químicas usadas no solo
podem ser danosas para nossa saúde, raramente percebemos
que produtos que usamos em nós mesmos e em nossas casas –
como triclosanos, compostos orgânicos voláteis, parabenos,
PBAs, PVCs e lixívia – podem afetar a saúde do solo e seus
micróbios. (Por sinal, extratos de alecrim ou manjericão
produzem excelentes antissépticos, vinagre é o melhor
produto de limpeza, karité e manteiga de cacau são
hidratantes perfeitos, e bicarbonato de sódio diluído é um
shampoo excelente.
Sei há muito que antibióticos,
esteroides e outras drogas bactericidas podem causar
efeitos colaterais não intencionais em meus pacientes.
Agora, entendo como estas drogas podem causar impacto na
vida microbial sob nossos pés e, em última instância, em
nossas próprias células.
Certamente, qualquer produto
químico que diminua a diversidade microbial irá, em
consequência, diminuir o valor nutricional de nossa
comida. Mas existe outra preocupação: microbiologistas da
Universidade de Washington em Saint Louis perceberam
recentemente que as bactérias do solo, quando expostas a
antibióticos e outros químicos, podem desenvolver genes
resistentes a antibióticos que, assim como as enzimas
digeridoras de algas nori, podem ser transferidas para
nosso microbioma, converterndo bactérias a princípio
benignas em “superbugs” nocivos e resistentes a
medicamentos.
Pensar em um corpo saudável
como extensão de uma agricultura saudável, e vice versa, é
uma mudança de paradigma para muitos de nós. Mas quando
consideramos que todas as nossas células crescem obtendo
do solo e das plantas seus nutrientes, tudo faz sentido.
Na verdade, não é tanto exagero dizer: nós somos terra.
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